A Leathers Arts & Crafts Moto é uma marca japonesa, que reúne tudo o que a gente ama nesse blog, em um só lugar: botas, jeans, jaquetas de couro e artefatos vintage. Eu visitei duas lojas que eles tem em Tóquio e fiquei encantado! Cada canto das lojas tem um detalhe, uma decoração, uma coisa bonita.
Foi muito legal poder visitar. Mesmo nos Estados Unidos, o país com algumas das melhores botas, quase ninguém ouviu falar dessa marca. A culpa é dela mesma, que como muitas nipônicas, não move um dedo para crescer ou ganhar visibilidade fora do Japão.
Não sabia que era uma empresa familiar, e acabei passando uma tarde muito boa conhecendo a família responsável pelos bastidores. Vou compartilhar um pouco sobre esse dia e sobre o conceito que torna a Moto tão especial.
O Grupo MOTO
A história começou em 1971 com o artesão Hideo Motoike, que continua capitaneando a marca junto aos seus três filhos, também artesãos.
A Leather Arts & Crafts MOTO ainda é uma marca familiar, com algumas lojas pelo Japão. Todas elas, um pouco escondidas. Os espaços abrigam diferentes do grupo, que são a MOTO, MOTOR, Motoratory e H. Motoike.
Cada uma dessas submarcas tem uma proposta:
- A MOTO trabalha com vários produtos artesanais em couro.
- A MOTOR busca inspiraçõ na “garagem do homem trabalhador”. O “R” significa “roots”, ou raíz. A missão dessa é resgatar como tudo começou. Muitas inspirações vem da memórias que o fundador acumulou durante anos de trabalho e viagens de moto.
- Motoratory é formada pelas palavras “Moto” + “Laboratory”. É lá que nascem as novas ideias. Os produtos são mais “ousados”.
- Por último, mas não menos importante, H. Motoike é a linha que leva o nome do fundador, e onde ele vende suas esculturas em couro e bonecos.
Como foi visitar as lojas em Tóquio e ver de perto?
E visitei a loja Motostyle primeiro porque ela abriga todas as linhas. Em seguida, foi andando até a Leather & Things Motor, que tem mais calçados. Assim que entramos na primeira loja, a decoração me fez sentir conforto. O espaço mistura diversos com itens pessoais para criar algo totalmente único e irreproduzível. É um ambinete com muito charme!
O interessante, é que não fica tão claro quem é o “cara” que usa o produto da Moto. Não é tão fácil de apontar o estilo quanto em outras lojas que visitei. Acho que é um efeito da decoração bastante pessoal. Nenhuma pessoa gosta 100% uma coisa 100% do tempo. Somos uma mistura de várias referências.
Foi uma pena não poder comprar uma bota. Não fazem na minha numeração, e as roupas também não estão disponíveis no meu tamanho. Acho que realmente não pensam em vender para fora do Japão!
Os irmãos Ryota e Daysuke estavam presentes, e pude conhecer pessoalmente as pessoas por trás da marca! Daisuke fala inglês perfeitamente, e apesar de ter algumas esculturas em couro espalhadas pela loja, lida mais com a parte administrativa. Ryota me convidou para conhecer a oficina nos fundos, onde estava trabalhando em algumas carteiras e uma nova pulseira de relógio.
A experiência na segunda loja também foi muito legal. A Leathers & Things Motor fica escondida ao lado de um prédio residencial, e quem cuida da operação é a noiva de um dos irmãos, que me mostrou a foto abaixo, relíquia familiar!
Essa segunda loja, tem cabides de couro, tags de couro, interruptor de couro, cadeiras de couro e até o chão é de couro. Aqui, você fica completamente cercado por botas e sapatos, masculinos e femininos.
De relance, as botas podem não parecer especiais, porque não são muito criativas em termos de design. O que as torna realmente incríveis é o conjunto final. Cada aspecto do design é muito bem ajustado, e a construção perfeitamente executada.
As botas da Moto não são perfeitamente elegantes, como os socialmente adequados sapatos ingleses. Elas também não tem o volume vigoroso de botas como a White’s e a Wesco. Também não são apresentadas na loja, ao lado de motos customizadas padronizadas nem o perfeito kit do homem rústico moderno. Pelo contrário, você encontra pantufas de couro, cardigans de quem prefere o conforto de um chá da tarde em vez da excitação de uma cerveja gelada.
Além da forma, eu admiro especialmente o couro. Preciso falar do couro. O pai e o irmãos são primeiramente artesãos e trabalham com couro de calfskin Japonês com curtimento vegetal e pintura manual feita em casa. Pelo que entendi, eles escolhem a pele e tingem na oficina, antes de enviar para a fábrica de botas.
Quando olhei a minha volta, vi que havia na loja e na oficina quase a mesma quantidade de botas usadas que botas novas, e até as jaquetas de couro sempre apareciam acompanhadas da sua verão “futura” (a já usada). Pensei em como a bota da vida real vai detonar, mas tudo bem, melhor ainda!
As roupas, as casas, a vida, não devem ser perfeitas, elas devem ser vividas. O chão de couro e todos esses detalhes, desde a “esquisitice” na imagem da marca, me fizeram lembrar o conceito “Wabi-Sabi”, que nos mostra a beleza de forma incomum em objetos que conservam as marcas do tempo e, à sua maneira, contam uma história.
No Wabi-sabi, a autenticidade é fundamental: a presença de rachaduras e arranhões nas coisas é considerada um simbolismo da passagem do tempo e da beleza “óbvia” verso a beleza “única”. Eu pensei em como atualmente, toda empresa tem a oportunidade e acesso a informação para fazer algo original e se destacar. E no entanto, quando olhamos ao redor, até mesmo em um mercado tão pulverizado como o japonês, temos a impressão de que muitas soluções são réplicas diretas ou indiretas.
Ao longo dessa série de posts sobre minha viagem, vocês vão perceber quantas versões da mesma proposta vintage existem. Elas têm visual similar, ofertas semelhantes e conceitos parecidos. Isso sem falar quanto a única diferença é algum slogan comercial, que na verdade não conta nada de novo. Depois de visitar muitas lojas no mundo todo, é difícil não sentir uma comoditização da proposta.
E mesmo assim, algumas marcas e espaços, como a MOTO, conseguem promover uma interação única, sem necessariamente criar produtos ultra-inovadores ou apelar para truques mirabolantes, como misturar várias coisas em um só lugar para chamar de “experiência”.
As botas da Moto são únicas. As carteiras, únicas. As jaquetas, únicas. Uma pessoa trabalhou em cada uma delas, com pinturas que são afetadas pelo humor, temperatura, umidade, tratamento do couro no curtume, a vida do animal e vários outros processos. Até as roupas são únicas, no sentido que não se encaixam em uma única categoria daquele “perfil de cliente” que estamos acostumados.
Eu gostei muito da Moto porque ela é orgânica. É humana. A marca é uma família, com pessoas únicas, artistas criando para outras pessoas únicas, cada um a sua maneira.
A promessa não é entregar mais rápido e mais barato do que os outros, e nem te entregar apenas o visual. As botas usadas, que passaram pelo liquidificador da vida, e a mistura de ideias lembram que não somos um robô, sendo cuspido por uma máquina, dentro de um app.
Espero que tenha gostado das outras fotos aí em baixo, e corre pra conhecer a marca pela internet! O site tem alguns catálogos bem legais na sessão Collections.