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Roteiro Tóquio: O que fazer (o que eu fiz) no primeiro dia

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O que fazer no primeiro dia em Tóquio?

“Jet lag”, é aquele desconforto físico ocasionado pela diferença de fuso horário entre os países e longas horas de vôo. Quem pretende fazer uma viagem para o Japão, poderá encontrar dificuldades em se adaptar, tanto pelo tempo de voo quanto pela diferença de 12 horas de fuso horário em relação ao Brasil.

Cayce Pollard, a personagem principal de “Reconhecimento de padrões”, descreve essa sensação como a alma desligada do corpo:

“A teoria de jet lag de Damien – diz a personagem no livro – está correta: que sua alma mortal ficou a léguas de distância e está sendo rebobinada por algum cordão umbilical fantasma seguindo a trilha já desaparecida do avião que a levou até ali, a centenas de milhares de pés de altura sobre o Atlântico. Almas não conseguem se mover assim tão rápido, são deixadas para trás e precisam ser aguardadas, no desembarque, como bagagens que se perderam”.

Para sobreviver ao “atraso da alma”, ela estabelece um “Horário Padrão Cayce Pollard”, que lhe sinaliza os horários de comer ou dormir.

Santuário Meiji

Eu também tenho o meu próprio método para acelerar o reencontro de alma, mente e corpo. No primeiro dia, gosto de dormir na hora local correta e deixar claro, para todos os meus sentidos, onde estou. Isso significa acordar cedo e passar um primeiro dia intenso, com experiências bem locais.

No Japão, mais especificamente em Tóquio, isso significa transitar pelos dois lados do bolso de intemporalidade que justapõe perfeitamente o novo e antigo: visitar um santuário sereno e experimentar o ritmo frenético das ruas com luzes mais brilhante que Vegas.

O Japão é um país fascinante, diversificado e muito vasto. É por isso que planejar uma viagem ao Japão é tão difícil. Dito isto, vou compartilhar o roteiro da minha segunda ida, como um ponto de partida para você elaborar o seu próprio itinerário. Vamos lá!

Yoyogi Park

Yoyogi Park

Ao acordar no primeiro dia em Tóquio, percebi que estava naquela época do ano quando acertar a previsão de chuva é impossível.

Pouca gente na rua, qualquer atividade ao ar livre suprimida pela precipitação incessante. As pessoas fugiam para o subsolo; exceto os ciclistas multitarefa, pedalando, falando no celular e segurando o salva-vidas – aquele guarda-chuva transparente.

É fácil identificar os inexperientes, sem guarda-chuva e com ombros escuros. E assim cumprimos a primeira missão, comprar dois guarda-chuva transparentes na loja de conveniência, logo na esquina do hotel.

Descemos na estação Yoyogi Koen, ao lado do Yoyogi Park, um dos maiores parques de Tóquio e uma espécie de enigma. O parque foi sede da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964, e o local do primeiro voo bem-sucedido no Japão, mas esses acontecimentos históricos não o explicam.

Se você for aos domingos, encontra moradores locais com e filhos, mas também dançarinas praticando dança do ventre, atores ensaiando uma cena, pessoas aleatoriamente bêbadas, festas enormes, eventos de moda improvisados, um show de hip hop ou os famosos membros do Tokyo Rockabilly Club dançando sucessos da década de 1950.

É um lugar dinâmico, mas numa quinta-feira chuvosa, o que observamos foram as folhas alaranjadas. Uma das coisas mais legais de visitar regiões com estações do ano bem definidas, é poder apreciar a beleza de cada uma delas. No Japão as mudanças são dramáticas; com as famosas cerejeiras na primavera, neve no inverno e calor intenso no verão. Mas é o outono a estação que mais gosto; as árvores coloridas em tons de marrom, laranja, amarelo e avermelhado, compõem um cenário de elegância e aconchego.

Cenário que pede um café…

Little Nap Coffee Stand

Um milhão de pessoas caminham todos os dias entre os arranha-céus de Tóquio sem se reconhecerem. Esse ritmo extremamente acelerado fica mais lento nos cafés, e quanto menores, melhores.

O Little Nap Coffee Stand fica em uma área residencial atrás do Yoyogi Park. Pelo que eu pesquisei, ele pertence a Daisuke Hamada, um dos baristas mais reconhecidos em Tóquio. Muitas pessoas vão até este lado de Tóquio apenas para saborear o seu café e blends variados.

A cafeteria fica em um pequeno edifício situado entre uma linha de trem movimentada e uma tranquila rua residencial. O som do trem passando de minutos em minutos, é um lembrete de que o tempo está passando.

O ambiente é descontraído, e “Stand” é um nome apropriado. Uma cafeteria com quatro bancos não o convida a ficar muito tempo sentado, mas sim a viver uma curta experiência pessoal. Estar cara-a-cara com um barista, ao lado de outro cliente sedento por cafeína, descontrai a atmosfera.  Quando percebi, estava conversando com estranhos sobre o que me levou até ali.

Não é essa a essência da experiência?

Meiji Shrine

Em seguida, caminhamos rumo ao Meiji Shrine, nosso verdadeiro “destino turístico” do dia.

O Santuário Meiji é um santuário xintoísta localizado em Shibuya, um dos distritos mais movimentados de Tóquio. Foi construído em homenagem aos espíritos deificados do Imperador Meiji e da Imperatriz Shobe, e erguido sobre um jardim que ambos adoraram visitar. O santuário foi inaugurado em 1926, destruído nos bombardeios de Tóquio durante a Segunda Guerra Mundial, e só mais tarde reconstruído através de um esforço público de arrecadação de fundos após a guerra.

Os barris de saquê que você vê quando entra são doados por fabricantes de saquê de todo o Japão para cerimônias e festivais no santuário. No Japão, o saquê sempre foi uma maneira de reunir deuses e pessoas.

Santuários e fabricantes ainda mantêm uma relação simbiótica, na qual os santuários conduzem ritos para pedir aos deuses a prosperidade fabricantes de saquê, que doam a bebida que os santuários precisam para cerimônias e festivais. Geralmente, um fabricante fornece apenas uma garrafa ou um barril. O gesto é o mais importante, porque pedir ou dar mais saque do que é realmente necessário seria mottainai (desperdício).

É um bom exemplo dos valores tradicionais japoneses: deuses xintoístas não fazem demandas exageradas, e as pessoas demonstram respeito pelo mundo natural habitado por deuses xintoístas, evitando o desperdício.

Passamos a manhã andando pelo parque em torno do santuário. Eu sei que o Santuário Meiji é um dos pontos turísticos mais listados em Tóquio, mas é a segunda vez que visito e escolhi de propósito esse passeio para começar a viagem. Eu adoro quando as cidades têm esses pequenos e silenciosos oásis verdes que fazem você se sentir calmo. Em Tóquio, a presença do verde é ainda mais chocante. O contraste entre o ritmo acelerado de Shibuya e a beleza natural e tranquila do santuário, é incrível.

Tas Yard

Já era mais ou menos uma da tarde quando saímos do Santuário Meiji, encontramos o Tas Yard no caminho. Resolvemos descansar um pouco as pernas e forrar o estômago.

Foi o exterior escuro, com verde, que me fez olhar bem para a placa com pratos do dia a preços acessíveis. A decoração lá dentro também encantou, com paredes escuras, madeira e metal.

O cardápio de almoço funcionava com “pratos feitos”.  Muitos locais pareciam estar fazendo horário de almoço e a dificuldade da primeira garçonete, que precisou trocar com uma outra, me fez pensar que não parece ser um restaurante acostumado a receber muitos turistas. O sabor da comida, nada japonesa, estava ótimo! Comi um macarrão, que veio com um chá cítrico incrível. Foi delicioso e muito em conta!

Logo ao lado, fica o Be a Good Neighbor Coffee, tentador para uma segunda dose de cafeína.

The Flat Head

As lojas em Tóquio abrem tarde e ficam abertas até a noite, programamos a parte cultural pela manhã, e a tarde ficou reservada para visitar algumas lojas em Harajuku e Sendagaya, já que alguns quarteirões dos bairros são cheios de lojas com estilo heritage e americana.

Começamos pela The Flat Head. Foi uma visita rápida porque alguns dias depois iríamos até Nagano, sede da marca.

The Flat Head tem muita coisa bacana, e tem poucos concorrentes quando o assunto é história, inspiração e como foi o processo que levou a criação da marca. Ela faz parte da época em que o Japão estava descobrindo o jeans. O fundador, teve contato com a Levi’s no Japão pós-guerra, quando ainda era criança e o tecido azul era uma raridade de outro mundo. Ele foi um dos que ajudou a construir toda essa cultura pela qual o país é famoso hoje.

No final, não é o material, ou o bem tangível que é a cultura. Ela é formada pela crenças e ideias das pessoas que criaram os produtos. Muitas marcas no segmento tem excelentes jeans, jaquetas de couro, etc, mas a Flat Heat tem cultura real, que não pode ser vendida.

Vou escrever um post específico sobre eles em breve!

Hummingbird’s Hill

Essa eu não conhecia, mas a Hummingbird’s Hill Shop foi uma excelente surpresa.

Não faz muito tempo, que quase todas as lojas de roupas masculinas se encaixavam em categorias específica do vestuário masculino pós-guerra. Uma loja focada apenas em alfaiataria italiana, outra em workwear, outra em streetwear e uma só para grifes. O novo mundo da roupa masculina é muito mais bagunçado, com mais nuances e culturalmente conectado. É possível encontrar de tudo sob o mesmo teto.

É difícil identificar o tema exato que percorre a Hummingbird’s Hill, mas de alguma forma reflete a desordem do mercado hoje. As ideias giram em torno de produtos norte-americanos com estilo vintage, mas o mix inclui marcas que desconstroem essa ideia misturadas com colaborações inovadoras como o casaco em três cores de Harris Tweed na primeira foto.

A maioria dos homens não está mais interessado em apenas uma coisa; eles estão abertos à experimentar novidades. Apesar da decoração rústica, com toques que lembram o South West Americano de Santa Fé, a loja tem uma mistura para satisfazer pessoas que procuram roupas legais.

Também vai ter um post só sobre a loja!

H.W. Dog & Co

H.W Dog & Co. é uma marca de chapéu que combina o que os Americanos e Europeus vestiam na cabeça, entre as décadas de during 1860s-1930s. O ethos da marca é uma mistura de “gentleman” e “dog”, ao mesmo tempo clássicos e brincalhões.

Enquanto estávamos na loja, observamos quatro garotas adolescentes escolhendo uma boina. Foi divertido assistir a interação com o gerente durante todo o processo, ver que aquela coisa de “machão rústico” que limita o público de lojas desse tipo no Brasil, não existe aqui.

Seu estilo de vestir não acrescenta ou diminui ao fato de alguém ser um cavalheiro. Nem os seus músculos, nem o perfume, a barba ou o charuto. Um cavalheiro sempre é um cavalheiro, não importa a máscara que usa.

Homens e meninos esqueceram a verdadeira arte da masculinidade: a beleza da graça. O bom humor desses chapeleiros é muito bem vindo.

Aguarde… tentando algo especial para produzir um conteúdo bacana sobre a marca!

GladHand

Mesmo com a tendência de misturar cada vez mais, ainda existem aquelas marcas e lojas com propostas cirúrgicas. A Glad Hand é uma delas.

A principal boutique da Glad Hand, Glad Hand “Core” – assim chamada porque é o lar de todas as sete marcas que Glad Hand engloba – é de certa forma muito característica de Tóquio: despretensiosa à primeira vista da rua, mas quando você atravessa a porta, é como se tivesse tropeçado em uma verdadeira jóia escondida.

As muitas peças vintage pintadas à mão foram uma grande fonte de inspiração. Esses gráficos, pintados por um artista de Tóquio conhecido como ˜L.˜, continuam a ser incorporados aos designs de Glad Hand. Nós amamos ver os letterings originais, que fazem referência a uma ampla gama de subculturas japonesas e americanas dos últimos cem anos ou mais, espalhados por toda a loja ao lado de memorabilias americanas do início do século XX.

PS: Tenho MUITAS fotos para postar daqui. Segura, que vem!

Freewheelers

Ao contrário da Gladhand, a Freewheelers chama atenção quando você está passando na rua. O interior é ainda mais incrível, mas infelizmente eles não permitem tirar fotos.

Eu não me lembro direito se passei pela RRL entre visitar essas duas lojas ou se foi depois, mas a diferença é clara. Gosto muito da linha “vintage” da Ralph Lauren com suas lojas incríveis, mas é nítido como alguns lugares parecem evoluir naturalmente enquanto outros foram meticulosamente montados por alguém que comprou um monte de coisa de uma vez. Faz sentido?

A Freewheelers foi criada por pessoas que participaram da febre do garimpo e das repro brands. Em algum momento, após acumularem ideias, decidiram parar com as reproduções e para criar o que não existiu, mas poderia ter existido.

O design tem inspiração histórica, não sofrem a pressão de ser 100% preciso, mas são extremamente plausíveis.

Bryceland’s

Visitei rapidamente algumas outras lojas onde não tirei fotos, como a Fullcount, Berber Jin, Green Angle e Journal Standard, que estão localizadas próximas umas das outras. Vale a pena passar alguns dias nessa área se você gosta do tema, há muitos lugares para visitar (e eu voltei, com informações para uma outra postagem).

Os japoneses são muito bons nessas criações vintage, mas acho que todo mundo que for a Tóquio também deve visitar a loja Bryceland. Ela tem um gosto extraordinário e faz parte de outro fenômeno no varejo masculino. Lojas que são, na verdade, uma expressão da perspectiva de uma pessoa icônica sobre o mundo, com as coisas e objetos com quais decidiram preenchê-lo.

Todas as marcas da loja estão no mais alto nível de artesanato, como os chapéus da Wellema, e se encaixam numa visão bem peculiar. As pessoas falam sobre ir a Tóquio para conhecer algumas lojas isoladas, mas em certos casos, é muito sobre ver de perto como funciona a mente das pessoas também.

Piss Alley: Omoide Yokocho

Com alguns kilos de sacolas a mais em cada braço, chegou a hora de pisar no freio e trocar de marcha para terminar o dia com outra tradição. O nome oficial desse lugar é Omoide Yokocho (Memory Lane), mas a rua é mais conhecida pelo seu apelido: Piss Alley. Nada animador, portanto.

Trata de uma rua recheada de minúsculos restaurantes locais e com um ambiente gorduroso tradicional. É uma espécie de submundo alternativo; ou o que resta da velha Tóquio no meio dos arranha-céus de Shinjuku.

O maior atrativo para acompanhar as cervejas são os yakitori, pequenas espetadas de galinha grelhadas na hora. São servidas nos izakayas, pequenos bares muito populares para uma bebida e petisco ao início da noite, também muito frequentados pelos assalariados japoneses para um jantar rápido e barato no final de um dia de trabalho.

Depois subir e descer a rua, escolhemos um restaurante meio na sorte, e por haver lugares disponíveis. Estavamos cansado, mas a emoção de experimentar um sashimi de cavalo e o susto de morder um espetinho de moela achando que era peito foram uma dose de adrenalina.

Poderia estar sentado em um buteco de Belo Horizonte; onde a bebida também vem em primeiro lugar e o petisco em segundo. O primeiro dia em terras “estranhas”, terminou com uma pitada de familiaridade.

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  • Fotos perfeitas, conteúdo incrível. Adoro relatos de viagens, quando bem produzidos são uma viagem mental deliciosa! Aguardando o resto do conteúdo desta viagem;

Publicado por
Lucas Azevedo