Moda Masculina

Zoot Suits e Pachucos em Penny Dreadful: A identidade através da roupa

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Penny Dreadful: City of Angels, explora as tensões sociais e raciais na Los Angeles de 1938. Apesar de muitas histórias diferentes, um dos maiores focos da série é a cultura latina e a comunidade pachuco. Um dos aspectos emblemáticos de um Pachuco é o zoot suit (terno zoot), um terno bem comprido e largo, que chegou até mesmo a ser proibido após graves episódios de violência racial.

A origem da palavra “Pachuco” é desconhecida, mas dizem que ela surgiu em El Paso, Texas, berço dessa contracultura hispânica associada à moda zoot suit, jazz e música swing. Eram conhecidos por rejeitar a assimilação na sociedade anglo-americana, tendo noções sobre relacionamentos e gênero que iam contra os costumes da época. As Pachucas, por exemplo, vestiam versões femininas do terno zoot e saíam solteiras para dançar, comportamentos bem diferentes do que a sociedade esperava de uma mulher, que não deveria usar calças e devia estar em casa cuidando das crianças.

Penny Dreadful: City of Angels

Existiam tensões entre as comunidades latinas e as comunidades brancas, mas os Pachucos desafiaram abertamente as normas sociais por meio de roupas, dança e outros aspectos culturais. A reação ao comportamento diferente, considerado perigoso para a ordem da “boa sociedade”, foi de medo e difamação. Os Pachucos eram rotulados de “gangsteres violentos” e as Pachucas de promíscuas, gerando ainda mais preconceitos e agressões.

A origem do Zoot Suit

O Zoot Suit é uma versão exageradas do corte de drapeado londrino, uma silhueta onde a cintura do paletó é apertada mas o peito e as costas tem um pouco mais de tecido e estrutura, dando a seu usuário uma figura mais atlética.

O drape cut foi inventado por Frederick Scholte, que foi alfaiate de Eduardo VIII, o duque de Windsor, considerado o árbitro do bom gosto na moda masculina no início do século XX. Quando ele passou a vestir estes ternos, o corte se tornou bastante popular entre as elites ricas e estrelas de Hollywood.

O Duque de Windsor vestindo um terno com o drape cut, feito pelo alfaiate Frederick Scholte

Já que a moda costuma ser um jogo de superar sucessivamente o concorrente, características que surgem de forma modesta logo se tornam exageradas. O drape cut foi popular nos salões de dança do Harlem na década de 1930, e com o tempo os excessos em cima desta moda geraram o zoot suit. Mais tecido foi acrescentado ao peito, a jaqueta foi alongada até as coxas e as mangas eram largas como se fossem pernas da calça.

O estilo foi calculado para ser ousado e ultrajante, ou seja, perfeito para os jovens. E o zoot suit realmente pegou, entre os jovens italianos, negros e latinos, que na época ocupavam as camadas mais pobres na sociedade Norte Americana.

Nos anos 40, os ternos eram usados ​​por homens de minorias em bairros da classe trabalhadora em todo o país. Embora o terno zoot fosse vestido artistas e músicos como Dizzy Gillespie e Louis Armstrong, ele não era uma fantasia do mundo do entretenimento. Veio direto da rua e do gueto.

Tensões políticas e raciais: Zoot Riots

A história do zoot suit não é apenas sobre como um corte de terno virou moda. Ela também é sobre política. Na década de 1940, no auge da popularidade do zoot suit, o governo dos EUA criou programas de racionamento para que matérias-primas fossem ser conservadas para o esforço de guerra. Isso foi algo comum em vários lugares do mundo, como a Inglaterra, onde consertar e aproveitar eram as palavras de ordem.

Propaganda dos tempos de Guerra: Reaproveite

O resultado foi um conflito na moda. Enquanto a maioria dos homens sacrificou detalhes como pregas nas calças, para que menos tecido fosse consumido na produção, jovens de grupos que já sofriam perseguição racial seguiram andando pelas ruas em seus ternos enormes o suficiente para abrigar duas pessoas. Para quem não pertencia à cultura, isso parecia antipatriótico e ostensivamente extravagante, especialmente vindo de grupos com poucos recursos

Havia também muita identidade racial ligada ao zoot suit. Embora alguns brancos o usassem, ele era visto como uma moda de negros e latinos. Ao contar a história dos zoot suits, é difícil não mencionar as atitudes das pessoas em relação à raça e classe. As Zoot Suit Riots, que deixaram mais de 150 feridos, foi a culminação de todos esses problemas, causada tanto pelo aumento das tensões entre brancos e latinos quanto pela atitude das pessoas em relação à guerra.

Vestir um Zoot suit era visto como uma exibição conspícua de excesso, que irritou um outro grande grupo de jovens que estava em Los Angeles: os militares da marinha dos Estados Unidos estacionados no porto de Los Angeles. Os chicanos já eram o alvo de discriminação racial na Califórnia, principalmente porque o país estava saindo da depressão, levando muitos a culpar os imigrantes por suas próprias dificuldades. O fato de uma cultura vibrante como os pachucos, ignorar o racionamento de tecidos, foi o suficiente para detonar o barril de pólvora racial.

Marinheiros em terra e jovens pachucos mexicanos-americanos entraram em choque. A mídia, a polícia e os políticos culpavam sistematicamente a comunidade mexicano-americana, por sua suposta cultura de delinquência juvenil. Incidentes isolados, levaram grupos organizados de policiais e, em seguida, marinheiros a irem aos bairros chicanos para espancar todos que estivessem vestindo um Zoot suit. Em Junho de 1943, literalmente milhares de soldados perambulavam pelas ruas do bairro, espancando todo e qualquer jovem latino pela frente. Jovens foram espancados nas ruas, tendo seus zoot suits que arrancados e queimados. A polícia interveio, prendendo os chicanos sob a acusação de vadiagem e delinquência.

Jovens hispânicos, presos durante a Zoot Riot de 1943

A medida que os conflitos aumentavam, a Câmara Municipal de Los Angeles aprovou um decreto proibindo zoot suit sob o argumento de que eram um símbolo de delinquência e desperdício de recursos. A violência se espalhou pelos bairros afro-americanos, onde negros em ternos zoot passaram a ser o alvo. Eleanor Roosevelt descreveu a violência como tumulto racial, e o Los Angeles Times publicou um editorial acusando-a de simpatizar com os comunistas.

Você pode ler mais sobre as Zoot Riots aqui.

Se o assunto te interessa, eu recomendo os seguintes livros que me ajudaram a escrever este post!

Quem cria, quem veste e quem vê: A identidade e o preconceito através da roupa

Tem uma história semelhante aos Pachucos, e também inspirada pelos Zoot Suits, que aconteceu na França ocupada pelos nazistas. Jovens parisienses conhecidos como Les Zazous também vestiam um estilo de zoot suit, se rebelando contra o decreto de racionamento do governo Vichy.

Essas roupas foram rejeitadas pelo governo vigente não somente porque exigiam muito tecido, mas também porque representavam uma “ameaça” maior para a sociedade. Os apoiadores do governo de Vichy viam esses ternos como parte ide outras coisas “ruins”, um gosto degenerado para música e linguagem (já que esses jovens ouviam jazz e usavam gírias americanas), preguiça e simpatia para com os judeus.

A ilustração abaixo é uma publicações anti-zazou da época, com um policial raspando à força o cabelo comprido de um jovem, algo que na época era visto como um identificador desses “amantes do jazz, que usam gírias, evitam o trabalho”.

De muitas maneiras, o corte largo do zoot suit parece completamente bobo. Ao mesmo tempo, é difícil avaliar qualquer roupa, sem algum tipo de preconceitos. Em outras palavras, como nos sentimos em relação a certas modas (o que é “bom gosto” ou “mau gosto”), muitas vezes está ligado ao que sentimos em relação às pessoas que usam ou usaram essas modas.

Um bom exemplo é como boinas passaram a simbolizar uma classe trabalhadora “socialista”, assim como barbas e cabelos compridos foram durante muito tempo coisa de “hippie” e “vagabundo”. É difícil deixar de lado nossas crenças pessoais, pois toda forma de se vestir tem com um contexto cultural herdado, que muitas vezes nem enxergamos.

É uma afirmação forte, por exemplo, quando um porto-riquenho do bairro pobre em 1940 usa roupas com sinais que têm laços com a riqueza: as que demonstram excessos. Ele está subvertendo valores, enfiando o dedo no olho dos ricos, ou neste casos o anglo-norte-americanos. Ou quanto os negros americanos pegaram as roupas da Ralph Lauren como símbolo da cultura Lo-Life.

Não são tentativas de parecer com o grupo que está no poder. Eles querem sucesso, claro, mas não estão usando essas roupas como pedido de aceitação, ou convite para o clubinho. A ideia é sempre pegar símbolos de privilégio e dar-lhes um novo significado. No caso das roupas, ainda mostrar que sabem vesti-las com mais estilo.

Afinal, o ato de se vestir, é uma conversa a três entre o criador das roupas, quem veste e as pessoas com quem a pessoa vestindo vai interagir no contexto de um amplo conjunto de valores culturais, que são apenas semi-compartilhados.

O designer cria com um significado em mente, o usuário reinterpreta e contextualiza, dando um novo significado para a roupa. Então, esse significado é interpretado pelas pessoas com quem o usuário interage, muitas vezes de maneiras que a pessoa nunca teria imaginado.

Zoot Suit em exposição no LOS ANGELES COUNTY MUSEUM OF ART

Se você não está convencido, pergunte-se porque todos os homens passaram a se vestir como cavalheiros ingleses? Como o traje colorido e extravagante dos reis franceses e nobres chineses, deu lugar às roupas austeras e monótonas que os aristocratas britânicos preferem? É difícil explicar sem falar sobre a ascensão do Segundo Império Britânico (1783-1815) e o século imperial da Grã-Bretanha (1815-1914), e como as pessoas em todo o mundo começaram a enxergar os valores aristocráticos britânicos e sua cultura.

Ou deixe o mundo de lado e olhe só para a origem do terno na sociedade britânica. Pense em como ele passou a representar autoridade e poder. Os homens britânicos de classe costumavam usar sobrecasacas, um estilo de paletó na altura do joelho popular durante os séculos 18 e 19. Então, um socialista escocês chamado Keir Hardie, vestiu um “lounge suit” (o que hoje consideramos um terno de negócios) quando foi eleito para o Parlamento em 1892. Foi algo controverso, mas ele fez isso para sinalizar sua solidariedade com os trabalhadores comuns.

Algumas décadas depois, o jovem herdeiro Eduardo VIII vestiu o lounge suit como uma forma de rebelião contra seu pai, o rei, que mantinha as normas sociais vestindo roupas muito mais formais. A roupa era considerado casual demais para alguém da classe, e seu pai odiava a forma que ele se vestia. O príncipe foi fotografado tantas vezes nesse traje que ele acabou se tornando aceitável para outros homens em posições de poder. É um legado que continua até hoje, já que o lounge suit é o nosso terno, hoje o uniforme de presidentes, primeiros-ministros e reis.

A cooptação do estilo da classe mais alta não é algo novo. Em Londres, na década de 1950, jovens de setores mais pobres da sociedade inglesa começaram a usar a velha moda Eduardiana. Eles eram conhecidos como “Teddy Boys”, e se vestiam com um estilo que surgiu na Savile Row após a Segunda Guerra Mundial.

Teddy Boys da década de 1950 em Londres

As escolhas de indumentária dos Teddy Boys ou dos Pachucos foram recebidas por suas respectivas sociedades da mesma forma: negativamente. Não é surpreendente, já a maioria das pessoas nessas épocas, já via esses grupos com maus olhos. Nos anos 90, houve uma reação semelhante a moda negra quando despontou o hip hop. Muito provavelmente, foi a tensão de classes o motivo para estes grupos se vestirem dessa maneira, distorcendo costumes e estilos originais para criar novos significados.

O seriado Penny Dreadful é muito interessante, assim como essa reflexão sobre como reagimos ao jeito que os outros se vestem. É óbvio que observamos aspectos estéticos, mas também somos impactada pelo que sabemos ou sentimos, sobre o passado de uma pessoa ou contexto. Até mesmo dando passe livre para alguns, enquanto detonamos outros: somos mais tolerantes com as excentricidades do Keith Richards do que seríamos com um amigo que resolvesse se vestir da mesma forma. Não é mesmo?

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  • Não canso de ler e reler seus textos. Recheados de informações que passam por uma afiado senso de crítica e sensibilidade social, histórica e estética. Uma roupa é muito mais que uma roupa, mas não precisa se preocupar tanto... É como uma filosofia que aprendi lendo o Só queria ter um. Está na hora hora de pensar num livro.

  • Não canso de ler e reler seus textos. São escritos recheados de informações e análise, que passam por um afiado senso de crítica social, histórica e estética. No Zoot Suits... há uma demonstração de domínio raro na arte da escrita de ensaio, capaz de reunir estudo da evolução e significado das roupas, questões históricas da tensão racial entre latinos e negros na sociedade norte-americana de meados do século XX, arrematando com uma convergência do modo de vestir do Duque de Windsor, perpassado por jovens amantes de jazz da França ocupada e pela história de um deputado socialista da Grã-Bretnha de finais do século XX.Coeso, organizado e orientado por argúcia investigativa(estudo) e argumentativa(talento).

      • Em "Homem invisível" o personagem principal, nunca nomeado, descreve o jovem militante da Irmandade (Partido Comunista de NY) Tod Clifton assim: "parecia de algum modo um hipster, um zoot suiter, um azougue - com excessão de que sua cabeça, com a lanugem de um cordeiro persa, jamais passará por uma chapinha." (P. 372). Páginas antes, Ralf Ellison nos apresentava Tod Clifton que já chega na história falando de desentendimentos que tivera nas ruas do Harlem com um militante Ras tafari, um pregador inflamado chamado Rás, o Exortador.
        Se houver maiores referências a Zoot suit volto a escrever. Porém já registro que Homem invisível de Ellison é um livro magnífico.

  • Em “Homem invisível” o personagem principal, nunca nomeado, descreve o jovem militante da Irmandade (Partido Comunista de NY) Tod Clifton assim: “parecia de algum modo um hipster, um zoot suiter, um azougue – com excessão de que sua cabeça, com a lanugem de um cordeiro persa, jamais passará por uma chapinha.” (P. 372). Páginas antes, Ralf Ellison nos apresentava Tod Clifton que já chega na história falando de desentendimentos que tivera nas ruas do Harlem com um militante Ras tafari, um pregador inflamado chamado Rás, o Exortador.
    Se houver maiores referências a Zoot suit volto a escrever. Porém já registro que Homem invisível de Ellison é um livro magnífico.

Publicado por
Lucas Azevedo