Entrevistas

Com a palavra, os pequenos e micro empreendedores

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Na semana passada, escrevi sobre a importância das pequenas empresas. Hoje existem centenas de milhares de pequenas empresas ameaçadas que estavam florescendo há apenas três semanas. Seus donos não estavam pensando em parar. Seus clientes queriam estar comprando e querem que essas empresas continuem. E, mais importante, as pessoas querem trabalhar.

Escrever me fez pensar em quantas pessoas no Brasil têm uma pequena empresa ou trabalha para uma. Normalmente, vou trabalhar a pé. Ao longo da caminhada de meia hora passo em frente de lojas de rua, galerias e prédios comerciais. Meus amigos trabalham, ou operam, supermercados, padarias, consultório de dentista, academias, restaurantes, bares, lojas, etc. Talvez os seus também.

No fim de semana, entrei em contato com algumas pessoas por trás de pequenas e micro empresas de moda masculina para ver como elas estão. Estou preocupado com o o impacto da crise nessas pequenas empresas, e ao invés de presumir quais são os desafios enfrentados e como podemos apoiá-las, resolvi perguntar diretamente aos proprietários.

Veja o sete proprietários de pequenas empresas pensam sobre o cenário.

FELIPE, OUTSIDER GOODS

Com o que você está preocupado?

Minha preocupação a curto prazo é não conseguir pagar as contas do mês, uma vez que eu e minha família dependemos da Outsider. Minha preocupação a longo prazo é que todo o meu planejamento foi por água abaixo. Uma vez que meu negócio não é essencial, as vendas cairão por um bom tempo, o que pode me tirar do mercado, junto com tantos outros. O grande desafio será nos reinventar com aquilo que temos em mãos.

O que as pessoas podem fazer para ajudar empresas como a sua?

Vi uma postagem a alguns dias atrás que dizia para dar preferência pros pequenos produtores, como a padaria da esquina ou o mercado próximo de casa. Outra atitude que acredito ser de grande ajuda, seria criar uma corrente de indicações, entre pequenas empresas. Um ajudando o outro nessa fase difícil que estamos entrando.

DANIEL, CABRA

Com o que você está preocupado?

Provavelmente sou um pouco fora da curva. Não vivo da Cabra e posso me permitir luxos, tipo não vender e me dedicar mais na criação do que em produção, por exemplo. Estou mais preocupado com fornecedores e pessoas que vivem disso do que comigo mesmo. Felizmente tenho uma renda do escritório que me coloca nessa posição privilegiada.

O que as pessoas podem fazer para ajudar empresas como a sua?

Sobre o apoio, quando isso tudo passar, as pessoas poderiam se preocpuar mais com o que compram, para onde vai o seu dinheiro, ter mais consciência e valorizar o produto nacional. Comprar do pequeno, de quem faz.

MATHEUS, DREHER 1989

Com o que você está preocupado? Quais são os desafios para o seu negócio?

Eu estou preocupado com o futuro, mas uma preocupação que pode ser até otimista, de um certo modo, porque as coisas não serão mais como eram antes e só depende de nós de como serão, irá depender das nossas ações e escolhas daqui em diante.

Notavelmente está acontecendo uma desaceleração que muitas marcas e pessoas lutavam e escreviam em seus manifestos. Nós, finalmente, desaceleramos. Enquanto tem muita gente correndo nas ruas e sendo a linha de frente disso tudo, quem pode e corria tanto, porém não tinham trabalhos essenciais, agora, está em casa. Essas pessoas estão podendo fazer tudo o que diziam sonhar fazer, estão precisando cozinhar mais, brincar mais com seus filhos, ter mais tempo para leituras, filmes e para conversar mais, até mesmo com os vizinhos que passavam correndo toda manhã, com a cabeça baixa e o foco lá no escritório, antes mesmo de saírem
de seus condomínios, louco, né?

Isso tudo vai impactar. Ou as pessoas verão, que na verdade, não queriam nada disso e que desacelerar é uma bobagem e tudo isso foi uma perda de tempo trancado em casa, ou irão perceber o quão possível é uma vida mais leve e não irão nunca mais querer abrir mão disso. Terão como prioridade passar mais tempo em casa, estar mais perto da família, correr menos, ter um escritório confortável em casa, afinal, é possível fazer tudo o que faziam sem o estresse da cidade e gastos com locomoção, certo?

Se assim for, o consumo vai mudar e o desafio de qualquer negócio será entender isso, vai ser como reaprender a andar, porque o comportamento de consumo irá mudar. Poderemos ter algumas vantagens depois disso, como a revalorização do pequeno produtor, do vizinho alfaiate que faz calças sob medida, do senhor que pode consertar seu sapato preferido e até mesmo daquele bar que é no seu bairro mas você não ia só porque ele não estava nas listas de novidades do mês da sua cidade.

A conexão entre pessoas e bens de consumo pode ser diferente, afinal, agora no futuro nós já aprendemos que não precisamos de tanto e que a qualidade é infinitamente mais importante que a quantidade. Porque no passado, nós estávamos loucamente correndo atrás de quantidade, ansiosos por não termos o que não precisamos e quando tudo parou a gente se deu conta que não precisávamos correr tanto, era tudo exagero.

O mais louco nisso tudo, é ver como as capitais mais aceleradas, hoje são as que mais sofrem. Então, só o futuro e como as pessoas irão voltar desse passado que me preocupa, mas estou otimista, e para ser sincero, é uma das únicas coisas que tem me deixado ansioso.

O que as pessoas podem fazer para apoiar pequenas empresas como a sua?

A longo prazo? As pessoas podem simplesmente refletir sobre tudo isso que está acontecendo e entender que desacelerar não é mais uma escolha, é a urgência utópica de ontem a qual caímos de paraquedas hoje e vimos o quão possível pode ser.

Podemos olhar mais para nosso bairro, nossa cidade, para a vizinhança, podemos buscar por soluções locais, consumir menos e perceber que acumular absolutamente nada pode te fazer mais feliz ou salvar a sua vida, pelo contrário, pode significar a falta ou ser o fim da linha para o próximo.

A curto prazo nós podemos ficar atentos as pequenas empresas locais e seus canais, estão rolando muitas ações em redes sociais de como você pode ajudar. Promoções estão rolando para empresas pagarem seus aluguéis e trabalhadores, para simplesmente continuarem existindo, você pode ajudar? Faça.

Neste momento não pode comprar? Há também diversas formas de ajudar para quem não pode investir dinheiro, você pode compartilhar postagens de suas empresas e marcas favoritas, formar listas de empresas locais para seus seguidores conhecerem e assim por diante, fique atento, as empresas estão sinalizando. No momento estamos todos apenas tentando sobreviver para seguirmos trabalhando e usufruirmos desse futuro otimista, em breve.

GUILHERME, OMNES GOODS

Com o que você está preocupado?

Fechar as portas é o pesadelo que vem me atormentado desde o início da quarentena. Com essa queda brusca nas vendas não teve uma noite antes de dormir que eu não pensasse nisso.

Este ano eu estava com grandes expectativas, e em menos de 2 semanas vi muitos planos irem por água abaixo. Muitas matérias primas e ferramentas são importadas, e em muitos países que importo as postagens internacionais estão suspensas.

Tirando o fato de que muitos clientes estão com medo de uma crise financeira pós quarentena, poupando dinheiro apenas para o básico (muito compreensível), temos fornecedores com portas fechadas também. Para cada lado que se dá a devida atenção só surgem mais problemas, coisas que nunca iria imaginar nos dias comuns.

O que as pessoas podem fazer para ajudar empresas como a sua?

O que vai nos ajudar neste momento difícil não está só em dar preferência para nós pequenos empreendedores (claro que isso ajuda MUITO), mas nos motivar lembrando que o que estamos fazendo é muito maior do que um simples sistema de ganhar o pão de cada dia fazendo o que gosta.

Nós somos e levamos qualidade de verdade para todos. Nós queremos fazer a diferença. Mesmo que você não tenha um tostão no bolso, curta, elogie e compartilhe o trabalho daquela pequena marca que você gostou. Isso vai dar a ele uma força pra continuar que nem mesmo ele imaginava ter.

ONZA, ONZA GOLDSMITH

Com o que você está preocupado?

Me preocupa muito o mercado da moda não ser algo tão essencial, digo, em tempos difíceis se alguém tem que escolher entre comer bem e ter uma joia, é menos um cliente para mim. Fora isso, um grande desafio é a alta do dólar. O valor dos metais preciosos variam diretamente com ele, então meu produto fica mais caro e meu público mais restrito. Agora é ter que se reinventar, melhorar a qualidade do trabalho, criar com mais propriedade e fazer o jogo virar, como sempre fizemos.

O que as pessoas podem fazer para ajudar empresas como a sua?

Acho que se as pessoas começarem a conhecer melhor o trabalho do autônomo e do artesão vão se surpreender, dar uma chance pro nosso trabalho seja ela comprando para uso pessoal, presenteando alguém ou até mostrando para os amigos.

Aline, LINE BOINAS

Com o que você está preocupada?

Minha maior preocupação nesse momento é manter o volume de vendas durante a pandemia, pois meu negócio gera uma parte importante da renda da minha família.

Porém, não é isso o que vem acontecendo. As vendas caíram bastante. Também fico pensando se isso voltará ao normal quando a pandemia passar, visto que deverá ser um longo período de dificuldade econômica.

O que as pessoas podem fazer para ajudar empresas como a sua?

Quanto à ajuda, o mais importante para mim é que as pessoas divulguem o meu trabalho para as que estão próximas, e também interajam com a minha marca nas redes sociais, curtindo, comentando e compartilhando, pois isso aumenta a visibilidade que traz potenciais clientes.

ALEXANDRE MARCHI, HONK BRAND

Com o que você está preocupado? Quais são os desafios para o seu negócio?

Minha preocupação maior nesse quadro que vivemos é com as pessoas, que precisam enfrentar além da pandemia, a falta do apoio do governo. Em alguns países vemos como a população está recebendo suporte financeiro, enquanto aqui, não tenho fé que os políticos vão abrir mão de algo deles para ajudar o povo. No entanto, fico feliz e aliviado em ver que muitos estão fazendo campanha para conscientização da prática do isolamento social, que é extremamente necessária para que a situação não seja exponencialmente pior.

As vendas diminuíram esse mês. Pode ser pelo momento em si, mas pode também ter sido um pouco pela minha postura de, desde o início da quarentena, ter parado com propagandas e posts de vendas. Preferi tirar um tempo pra refletir sobre o momento, sobre o futuro, e não sufocar o meu público. Mas como tenho minhas próprias contas para pagar, voltarei em Abril a me comunicar pelos canais de mídias sociais e ver como vai ser esse movimento.

Sobre as dificuldades práticas e imediatas, não posso dizer que sou dos maiores prejudicados. Por cuidar de tudo da marca sozinho até então, não tenho funcionários, e por não ter lojas físicas, não tenho contas fixas. Meus fornecedores estão pagos, e se não estivessem, preferiria dever ao banco do que deixar de pagar alguém. A outra questão é a renovação de produtos, já que os fornecedores estarão parados, mas dá para trabalhar com os produtos que ainda tenho em estoque, tanto de peças autorais quanto da seção Vintage & Garimpos. A partir desse último ponto poderíamos entrar em uma boa conversa com reflexões sobre nossa relação à produção e consumo, mas é papo pra outro tópico.

O que as pessoas podem fazer para apoiar pequenas empresas como a sua?

Acredito que, como consumidores, deveríamos nos atentar cada vez mais ao nosso redor, nos inteirar do que está sendo feito por perto, valorizar o trabalho dos pequenos e médios. Seja na área da moda, alimentícia ou qualquer outra. Em vez de ir à uma filial de uma megaempresa, procure saber sobre as outras alternativas.

Agora então, é super importante para que os negócios consigam se manter. Creio que esse exercício seja recompensador não somente para quem está vendendo, mas também na experiência do comprador, que sentirá diferença na proximidade do atendimento, em saber quem faz aquilo que está consumindo, entre outros aspectos. De repente esse momento de crise geral nos dê um presente a volta do senso de comunidade.

(Muito obrigado ao Felipe, Daniel, Matheus, Guilherme, Onza, Aline e Alex por separarem um tempo para conversar comigo. Você pode visitar as lojas clicando os links ao longo do texto ou o nome de cada um aí em cima. Se você decidir comprar algo um futuro próximo, incentivo você a fazê-lo de maneira cuidadosa, consciente e esperançosa em lugares que agregam valor à sua vida. Se você não puder gastar dinheiro no momento, pense em compartilhar algo que ama em um produto ou loja nas suas mídias sociais.)

Publicado por
Lucas Azevedo